sábado, 14 de abril de 2012

Relações por um fio XLIII


Moça,
Hoje é sábado e eu estou aqui, em lugar nenhum, como disse em último e-mail. E aproveitei que o Mário foi ao clube jogar bola com os amigos pra ficar aqui na casa dele e te escrever sobre minha viagem.
Foi relativamente fácil, comecei a pedir carona por volta das 7 e 30h e quase 5 horas e três caronas depois, eu estava aqui. Uma até Araras, outra de lá até Limeira e finalmente até aqui. Sempre os meus amigos mais chegados, da época de facu, eram de fora da cidade, portanto tenho certa prática com caronas, mas alguma coisa mudou no universo caroneiro. Até hoje, sem exceção, todas as caronas que eu havia pego, tinham sido com homens, é até óbvio. Dessa vez, duas das três caronas foram mulheres. Das duas, uma: ou tenho uma cara muito confiável, muito inofensiva ou essa mulherada tá ficando louca, ou das duas, duas: eu tenho uma cara muito confiável e essa mulherada tá ficando louca.
Uns quarenta minutos na estrada - eu quase perto daquelas chácaras do Recreio Internacional, não fico parado, vou pedindo carona e vou andando – e pára a primeira louca. Um carro prata que não sei se era corsa, palio, fiesta, celta..., pra mim é tudo igual. Ainda ressabiado, veja você, eu é quem estava ressabiado, respondi-lhe meu destino e ela se prontificou a levar-me até Araras. Ela também era professora. Universitária, de uma tal Uniararas, disse-me que lecionava nos cursos de química e física de lá (pelo menos uma boa conversa iria ter, pensei), nos componentes curriculares de Prática de Ensino e Fundamentos da Educação I e II, seja lá o que for isso. Uma pedagoga, caralho. Lá se foi a esperança de uma boa conversa. Não sei se D(d)eus existe, mas se sim, uma coisa é definitiva: E(e)le é um grande dum sacana. Mas também acho que tô querendo demais ultimamente. Além da carona, eu queria mais o quê? Que ela fosse filósofa? Até que podia, né? Mas eu – acho – que me comportei bem, consegui não dizer a ela o que penso dessas pedagogias todas, não houve grandes conflitos, só as faíscas habituais. Ou não seria eu, certo? Sorte minha é que ela não fez muita questão de ficar falando dessas coisas. Com seus 56 anos, teve mais prazer em ficar falando do marido, filhas e netos. Será que em sala de aula, ela também se porta assim? Não sei o motivo, mas ela me lembrou de algumas pessoas conhecidas nossas. Foram umas duas horas tragáveis de viagem.
Na estrada, já em Araras, levei quase uma hora pra outra carona, é uma estrada reta, de alta velocidade, dificulta a carona. Mas acabou parando um carro preto, acho que um Peugeot, pelo menos tinha um leãozinho meio estilizado, meio bambi, no capô. Outra maluca. Será que elas não percebem o risco? Essa devia ter seus 40 anos passados e 50 não atingidos. Essa não fazia nada, ao menos na minha concepção. Parece que o marido é um comerciante grande de Limeira, faz parte da ACI de lá e são do Rotary, ela também faz parte de uma dessas ONGs assistenciais. Primeiro, uma pedagoga e depois uma ONGeira rotaryana. D(d)eus devia estar se mijando de rir às minhas custas. Pelo menos, de Araras a Limeira não são nem 30 km e a viagem foi rápida, uns 20 minutos, mais ou menos, a dondoca tinha o pé pesado.
Em mais meia hora, peguei a última carona, direto até Mogi. Um homem dessa vez. Um representante de lubrificantes automotivos, Castrol, Bardahl, etc. Esse tinha uns 30 anos, tava solteiro há 4 meses e me deu dicas de lugares bons em Mogi, lugares de - palavras dele- boa caça, de boa pastagem. Ufa! Até que enfim um bom papo de macho.A boa e velha testosterona.
Esse meu amigo, o Keler, é aquele das cartas de quem eu te falei, lembra? Ele veio pra Ribeirão em 1990, ficou só dois anos e depois terminou seu curso em Mogi, mesmo. Mas nunca perdemos contato. A esposa dele não gosta de mim. Ele tem 37 anos e ela, 25. Ele tinha 30 e ela, 18 quando começaram a namorar. Fazia uns dois meses que eles estavam juntos e eu fui pra Mogi. Pintou ciúme dela logo de cara. Pudera. Eu já o conhecia há 10 anos e ela há dois meses. Achei divertido aquela pirralha com ciúmes e resolvi não botar panos quentes, nada de contemporizar: passei a noite inteira comentando histórias antigas, passamos a noite rindo de coisas das quais ela nem fazia idéia. Mulher odeia isso. E desde então, ela não me topa. Mas como ela foi passar uns dias na casa da mãe, em São Paulo, minha viagem se tornou possível. Eles casaram têm 3 anos e, claro, que fui ao casamento, até cumprimentei, abracei e beijei a noiva.
            Está me fazendo bem estar aqui. Dormindo de madrugada e acordando tarde todos os dias, vendo dezenas de pessoas desconhecidas, estar em uma cidade desconhecida funciona como uma máscara, e sou muito atraído por máscaras (influência dos quadrinhos, de novo?), máscaras são poderosíssimas. As máscaras não escondem nada, elas relevam tudo.
            Falei com minha casa, ontem à noite. Ouvi alguns perdões (não sei se sinceros ou não) aos quais respondi com outros perdões, também não sei se sinceros ou não. Devo ficar aqui até terça ou quarta-feira, a esposa dele chega na quinta. Mas acho que irei voltar de ônibus. Medo de ser estuprado por uma dessas malucas da estrada.

Saudades.

P.S. - seguindo prescrições dermatológicas, estou deixando a pele descansar, dei férias para o prestobarba.

P.S. 2  - outra coisa que amo em você e que só descobri agora, pela falta que ela anda me fazendo: sua voz, adoro ouvir você falar, ser seu vouyer, seu vigia. Como o narrador daquela música do Chico – sempre o Chico -, “As vitrines”: já te vejo brincando, gostando de ser tua sombra a se multiplicar/ passas em exposição, passas sem ver teu vigia catando a poesia, que espalhas no chão.

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