quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Traça

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TRAÇA (GERSON WATANUKI)
Fui "arrumar" meus livros e papéis...
Com todos sempre a dizer o que devo fazer.
Casa arrumada por terceiros, faltava meu canto.
Pranto não adianta, tenho que remexer em tantos espaços deixados para depois...
Tudo me serve, como me desfazer, sou tudo que tenho guardado, que tento ser resguardada...
Pus tudo abaixo, com cuidado e pressa
Para não estragar, nem me arrepender
Móvel limpo, estante lustrada com óleo de peroba... conhece?
Tentei ordenar por assunto, sentei entre os títulos, coloquei entre as minhas coxas as coleções, presentes, aquisições em sebos... emprestados e não devolvidos, relíquias imprestáveis mas nunca dispensáveis...
Sou traça, todo papel literário é bem vindo... celulose e poesia... aguça meu apetite...
Tentei ordenar por uma lista de espera... não coube no espaço reservado... e numa distração... acabei iniciando várias leituras... recomeçando umas... introduzindo outras pelo meio, enfim...
passei horas entre livros nas coxas, colo, braços, nos pés, entre os dedos, uma orgia...
Com tantas texturas, formas e cheiros...
limpava uns, ria de outros, encontrava anotações antigas e já inválidas, papéis entre livros, fotos...
(como criança que, colocada para arrumar seus brinquedos, interessa-se por inventar brincadeiras intermináveis, não arrumando nada.)
E ainda nem cheguei nas revistas... nos papéis... cartas... cartões... pequenas anotações... cadernos antigos... agendas, dezenas delas... já disse que gosto de escrever, não digitar?
Acabou o tempo... pequei uma caixa grande... arquivei o passado remoto... mantive próximo o passado recente... não me desfiz de nada... não é fácil se desfazer de histórias bem contadas.

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