sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A MENINA E A MOSCA (Terceira parte)





Naquele dia estava muito animada... tinha começado o ano letivo e seus nove anos lhe mostravam uma escola como uma porta para a existência... ia começar numa escola nova, numa cidade nova gigante (para quem veio do sítio tudo que vivenciava era gigantesco).
Usava o cabelo Joãozinho... roia as unhas... tomava açúcar com água (viciada em glicose) todos os dias ... suas obrigações era lavar 18 chinelos e enxugar a “louça” do almoço e da janta... depois... brincar com os objetos que a antroposfera ou a natureza lhe ofereciam... adorava brincar com restos de trapos, bonecas de sabugo, fazer "comidinhas" com latas de massa de tomate elefante (vários tamanhos)... era feliz na sua inocência cercada de perebas, piolhos e ... moscas...
Seu contato com esse inseto vem de muito tempo... as moscas a lambiam quando estava lidando com os porcos, empoleirando as galinhas ou se equilibrando no mictório, eram presenças constantes na lida da roça...
Sua mãe fazia sabão com as vísceras dos animais e soda... e com ele se lavava tudo e todos, porém ele deixava um leve odor de ranço no corpo...isso espantava os pernilongos mas atraía as moscas... e elas a rondavam, observavam, flertavam com ela, mesmo sem ela saber... num amor platônico.
Naquela dia, enfim, chagada da escola suada, já num azedume nas dobras, anunciando a puberdade, ela colocou o embornal com seu material doado pela “caixa escolar” (atualmente chamada de APM) numa cômoda que ficava no quarto das meninas, entre as duas beliches, tirou o uniforme (um guarda pó “branco” com um emblema da escola no bolso e sua saia  plissada azul marinho) colocou-os na segunda gaveta, cada um tinha uma gaveta, era o suficiente para tudo o que possuíam, sua calcinha estava com elástico solto em uma das pernas, o que facilitava seu vício vespertino, colocou sobre seu pequeno corpo, um vestido de malha xadrez com duas margaridas enormes na faixa da cintura branca, tinha sido das duas irmãs mais velhas, agora era seu. Estava gelado e com leve odor de naftalina, que contrastava com seu odor de barata das axilas... era assim, um inseto que atraía moscas.
Pensou em sentar no colchão de palha para iniciar suas intermináveis devaneios, cheio de personagens, lugares e diálogos que certamente nunca aconteceriam... era assim, uma ninfa dos sonhos.
Mas achou melhor iniciar suas tarefas antes que o irmão mais velho chegasse e enchesse sua cabeça com croques. Correu para cozinha, fez seu grosso copo de açúcar com água e engoliu rapidamente para ninguém ver, era assim, em geral fazia as coisas à surdina... 
Depois enxugou a louça do almoço, sem almoçar, era magra e amarelada, combinava em tom com seu vestido de grandes margaridas sorridentes...vestido brega, nas cores ou modelos, eram roupas doadas por estranhos ou reaproveitada dos irmãos, e a larga faixa branca no meio dava um aspecto muito infantil, dividindo-a ao meio... era assim, sempre fragmentada... aos pedaços... em migalhas... migalhas para moscas...
Terminou suas obrigações domésticas e dirigiu-se ao portão... precisava de diversão... procurou seu saco de retalhos debaixo do frondoso pé de primavera vermelhas, muita sombra, sempre florido, gostava de amassar as folhas para brincar de "comidinha", eram tenras e soltavam um verde intenso para pintar suas folhas de caderno... seus cadernos eram sempre enfeitados com borboletas, folhas e flores que encontrava pelo caminho de volta da escola... era assim, uma guardadora de coisas mortas, adoradora do passado.
Enquanto brincava com suas bonecas de sabugo viu sua amiga Aline encostar-se do lado de fora do portão, chegavam da escola no mesmo horário mas a vizinha  sempre assistia TV antes do pai voltar pro trabalho, ele não gostava que ela ficasse na rua, mas era só ele virar a esquina que ela corria pro meu portão, exibia algum brinquedo novo, doce ou revista que conseguia surrupiar de um familiar... neste dia era uma coxinha de frango frita que trazia em uma das mão, com a outra, abriu o portão sem grandes dificuldades... era assim, estavam sempre trocando delicadezas, estavam embriagadas com as descobertas, curiosas e arteiras... 
Então, decidiram brincar no corredor da casa de cima, pois os moradores trabalhavam e o pequeno portão enferrujado ficava aberto para leitura da água... era onde se refugiavam dos olhares de todos... podiam inventar histórias, tornarem-se marido e mulher, namorados, amantes... eram assim, não conseguiam evitar aquele mar de novidades empíricas.
Elaine gostava de ser o gênero masculino, era mais velha e determinava os acontecimentos, 12 e 9 anos, relação de poder (era dona de bonecas lindas), relação de saber (já tinha visto muitas revistas impróprias pra idade por descuido dos primos), relação de corpo (cabelo chanel muito liso e de um castanho mel cheiroso, era esguia, macia e muito branca), já tinha algumas penugens e gostava de chupar, lamber e esfregar o corpo como uma mosca no melado... chegava sempre cansada do "trabalho" e queria carinho da menina/esposa... passavam horas nessa histeria lúdica... nuas no fundo do quintal, sobre pneus, tapetes velhos ou cadeiras de varanda, buscavam um posição que fosse confortável e que seus clitóris se tocassem... o cheiro de Guiné era forte... entravam em transe... riam e salivavam em seus beijos de língua... não era pecado... não era feio... não era sujo.... era assim, duas meninas felizes brincando de casinha.
Aquela tarde estava muito quente, fevereiro, abafado e úmido, muitas moscas rondavam a menina, que parecia indiferente e passiva, sempre esperando pela iniciativa de Elaine, mas naquela tarde foi diferente. Elaine trouxe a coxa de frango engordurada e esfregou-a em sua própria bucetinha... queria que a menina esperimentasse, seria a primeira vez. O cheiro da carne frita alvoroçou as moscas que começaram a rondar suas coxas secas, deitou a menina no chão e colocou-se sobre ela de ponta cabeça... começou a ensiná-la como deveria fazer chupando-a... o tesão que causava aquela língua encorajou a menina a iniciar suas tímidas lambidas que, rapidamente se transformaram em chupadas... estavam engalfinhadas, famintas e despreocupadas com a presença das moscas em seus rabos, sugando o que sobrava, participando daquela inocente demonstração gastronômica... eram assim, duas meninas sem consciência ou responsabilidade, onde suas escolhas eram determinadas pelos instintos primitivos... duas cadelinhas... duas virgens de baco... entorpecidas de novidades... cheias de dúvidas e, sempre prometendo que era a última vez... mas, não se continham... eram assim, pessoas que não tinham controle... como se alguém tivesse.
Não eram lésbicas, nem sabiam o que era isso, era só curiosidade, diversão e um momento para esquecer a miséria familiar; havia um pacto de fidelidade ao jogo, ao toque, ao seu esconderijo, mas não era assim pra sempre...
Depois da quarta série a menina se mudou para muito longe... nunca mais se viram... nunca mais ofereceram tal banquete as moscas... e a menina nunca mais foi passiva. 
(CONTINUA)

Um comentário:

  1. estou preparando uma ilustração. e você tinha razão, é a minha cara!

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