quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A cura

Sofia
SOFIA (GERSON WATANUKI)
Como saber se está curado de uma doença ainda sob efeito dos medicamento?
Longe do vetor, do agente, do causador da infermidade... há como saber se estamos resistentes?
Como saber se a resistência ainda não está baixa se a bolha imunológica nos protege?
Como, no isolamento, poder ter certeza que o ar externo não vai trazer consigo a febre, insônia, angústia?...
Como, internos na dieta do olhar, sentir que resistirá ao prato quando esse se apresentar em um banquete inevitável?
Diante da sombra que me abateu esses dias, sinto-me desconfortável para respostas positivas.
Porém, meus instintos de sobrevivência primitivos apontam-me que a quarentena é bem vinda. Um bálsamo, um emplastro, um momento de hibernação dos elementos míticos, metódicos ou melancólicos de uma relação nas migalhas...
Essa pausa faz, na ilusão da distancia física, alimentar-se de outras senseções esquecidas:
Dos amigos da faculdade e suas conversas cheias de afeto...
Dos longos passeios pelo campo...
Das visitas familiares regadas a novidades, brevidades e o delicioso café passado no coador de pano...
Das leituras e cochilos na rede, seu balanço, a preguiça, o cuidado de si e do que lhe dá prazer sem dor...
E... quando... quando todos os seus movimentos corpóreos parecem não mais ser para ser notados... quando seus vestuários estiverem despretensiosos de olhares em seu colo... e... até sua fala estiver descomprometica de profundidade... vem de ímpeto uma imensa coragem de sair da UTI e enfrentar a vida... a rotina...
Mas, ao mesmo tempo, a consciência de deixar para traz a ilha, cercada por águas seguras e quentes, sem terremotos, tsunames, antropófagos, Aliens ou predadores...
Que paura... arrepio na espinha na hora de tirar o esparadrapo, a tala, o gesso, os pontos, o soro, o oxigênio... esse ... esse último me leva a um suspiro profundo... a pressão cai ... o corpo formiga ao tentar colocar o pé no chão... já senti isso tantas vezes...
Mas estava pronta... decidida... até aparecer em minha frente aquela sopa de letrinhas... a primeira refeição para deixar o leito... eram poucas letras... muito líquido insonso... mas chegavam a formam meia dúzia de palavras tímidas, cautelosas (como deve ser meu caminhar agora)... 
Não quero cair em abismos, fossas abissais, ausências...
Perdoe-me... ainda estou sob efeito dos anestésicos, fiquei muito tempo amordaçada e a camisa de forças deixou meus movimentos lentos... movimentos não muito convincentes... mas, meus ouvidos estão perfeitos...
e eles ouviram durante o período do coma... de muitos profissionais experientes... que se trata de doença crônica.



2 comentários:

  1. Se a doença é crônica, faça a única coisa a ser feita: escreva crônicas.

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  2. É o que tento fazer... que na convivência... no embate... sejam placebos recíprocos...

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