sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Sempre a poesia


Florbela Espanca

Languidez

Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,
Que poisam sobre duas violetas,
Asas leves cansadas de voar...

E a minha boca tem uns beijos mudos...
E as minhas mãos, uns pálidos veludos,
Traçam gestos de sonho pelo ar...



Antes de ser apresentada a Florbela eu pensei que conhecesse a poesia, mas foi apenas quando eu a conheci que a poesia foi apresentada a mim verdadeiramente.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

IDÉIAS SIMPLISTAS

A Menina e o Lobo
A MENINA E O LOBO (GERSON WATANUKI)
Me invadiu.
Manchou todas as minhas aquarelas e as sequela foi uma catarata irreversível.
Se apropriou dos meus desenhos animados, tornando-se muitas vezes personagem que me animava.
Me musicou, cifrou-me, cantou-me, encantou-me, cancionou-me e letrou-me.
Cantou muitas vezes pra mim pela voz das janelas que foi abrindo em mim, melodiou meu mundo.
Misturou-se ao aroma do café, ao sabor do chocolate amargo, a espuma do banho.
Está na legenda dos filmes que comentamos.
Escondido nas orelhas dos livros que citamos.
Na minha preocupação nos exageros com o perfume, com o decote, com os comentários.
Agora é simples, simplista tirar você de tudo isso que sou eu.
Mudo de identidade; reinvento-me como menina, como mulher; outra, sim, serei outra, abandonarei tudo que possa me fazer lembrar de você ou então darei outro sentido e significado a todas as coisas que nos ligam de algum modo que seja, muito simples.
Troco o café pelo chá verde?
A MPB pelo tango?
O chocolate pelo alcaçuz?
Mitologia por teologia?
A masturbação pela culinária?
Assistirei somente violência e terror?
Lerei livros de auto-ajuda?
Você encheu de particularidades todas essas coisas... fadas, borboletas, traças e louva-deus.
Acredita que desistindo da tecnologia, da autoria, dos intervalos de 20 minutos conseguirei simplesmente varrer você na minha história?... esquecendo que fui sua musa... que foi minha inspiração... e que você é a melhor de tudo que não aconteceu até hoje.
Obs: ganhei uma máquina de pão; será que também terei que vendê-la?
Obs2: poderia trocar por uma máquina que me fizesse dormir sem sonhar...

NADA ALÉM DAS TRINCHEIRAS

Joker
JOKER (GERSON WATANUKI)
Há trincheiras no meu horizonte; e com todas as infinitas possibilidades vigiadas; só me resta o olhar ensimesmado; ou escavar espaço entre as entrelinas dos livros de filosofia;
Poesias e romances entraram no index da clausura;
Além dos seguintes vetos velados:
- Nada de olhar para lugar nenhum;
- Nada de ouvir músicas aláveis;
- Nada de café com chocolate amargo;
- Nada de mitologia; HQs; Pseudônimos; Lado B; pseudônimos;
Enfim, passe pelos dias sem tripallium acorrentada ao presente; arrastando-se como um ser humano comum sobre campos, rios, estradas intermináveis, sem esse repertório cheio de figuras de linguagem ultrapassada, aliterações cansativas e o apelo meloso das reticências.
E assim assado, sobrevivo. 

A cura

Sofia
SOFIA (GERSON WATANUKI)
Como saber se está curado de uma doença ainda sob efeito dos medicamento?
Longe do vetor, do agente, do causador da infermidade... há como saber se estamos resistentes?
Como saber se a resistência ainda não está baixa se a bolha imunológica nos protege?
Como, no isolamento, poder ter certeza que o ar externo não vai trazer consigo a febre, insônia, angústia?...
Como, internos na dieta do olhar, sentir que resistirá ao prato quando esse se apresentar em um banquete inevitável?
Diante da sombra que me abateu esses dias, sinto-me desconfortável para respostas positivas.
Porém, meus instintos de sobrevivência primitivos apontam-me que a quarentena é bem vinda. Um bálsamo, um emplastro, um momento de hibernação dos elementos míticos, metódicos ou melancólicos de uma relação nas migalhas...
Essa pausa faz, na ilusão da distancia física, alimentar-se de outras senseções esquecidas:
Dos amigos da faculdade e suas conversas cheias de afeto...
Dos longos passeios pelo campo...
Das visitas familiares regadas a novidades, brevidades e o delicioso café passado no coador de pano...
Das leituras e cochilos na rede, seu balanço, a preguiça, o cuidado de si e do que lhe dá prazer sem dor...
E... quando... quando todos os seus movimentos corpóreos parecem não mais ser para ser notados... quando seus vestuários estiverem despretensiosos de olhares em seu colo... e... até sua fala estiver descomprometica de profundidade... vem de ímpeto uma imensa coragem de sair da UTI e enfrentar a vida... a rotina...
Mas, ao mesmo tempo, a consciência de deixar para traz a ilha, cercada por águas seguras e quentes, sem terremotos, tsunames, antropófagos, Aliens ou predadores...
Que paura... arrepio na espinha na hora de tirar o esparadrapo, a tala, o gesso, os pontos, o soro, o oxigênio... esse ... esse último me leva a um suspiro profundo... a pressão cai ... o corpo formiga ao tentar colocar o pé no chão... já senti isso tantas vezes...
Mas estava pronta... decidida... até aparecer em minha frente aquela sopa de letrinhas... a primeira refeição para deixar o leito... eram poucas letras... muito líquido insonso... mas chegavam a formam meia dúzia de palavras tímidas, cautelosas (como deve ser meu caminhar agora)... 
Não quero cair em abismos, fossas abissais, ausências...
Perdoe-me... ainda estou sob efeito dos anestésicos, fiquei muito tempo amordaçada e a camisa de forças deixou meus movimentos lentos... movimentos não muito convincentes... mas, meus ouvidos estão perfeitos...
e eles ouviram durante o período do coma... de muitos profissionais experientes... que se trata de doença crônica.



terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A menina e a mosca (SEGUNDA PARTE)

Sem título
SEM TÍTULO (GERSON WATANUKI)

Ela olhava para a mosca de soslaio e seu olhar fixo a deixava tímida e curiosa... (seu cinismo a inocentava de toda promiscuidade presente no ar)... parada na cortina embolorada, com seus desenhos disformes, desbotados, um plástico cheio de poás, podre...
Estavam possuídas e descontroladas de tesão, a menina esfregava o dedo no clitóris, tetinhas cada vez mais entumescidas, carne esmagada entre os dedos quente e sensível até à sua respitação ofegante... a mosca esfregava suas patas dianteiras no rosto, se limpando e se lambendo diante do banquete que se oferecia para sua degustação...
Ela desejou muito a mosca... seus pensamentos suplicavam pela participação desta em seu gozo... e... num movimento em redemoinho ela veio, saiu do seu estado de repouso voier e veio participar... gostou do que viu, carne exposta de cheiro forte... cheiro de saliva azeda no bico dos seus peitinhos pouco desenvolvidos, cheiro de frutos dos mar, suor da puberdade que se somava ao aroma do lugar, uma mistura de esconderijo de barata e amoníaco... 
A mosca veio, pedia por isso, implorava aos sussurros, mendigava desavergonhadamente que pousasse sobre seu corpo, imaginava em sua loucura que ela, pela vontade de todos os demônios que a atormentavam naquele momento, se transformasse num ser com uma língua potente a lhe lamber os odores, e nessa ânsia sua boca salivava, queria a mosca não só lambendo seus mamilos mal formados, mas lambendo também seu grelinho, seu cuzinho...
Ela veio... veio... zummmmmmmmmmmmmmmmmmmmm....zummmmmmmmmmmmmmmm... zummmmmmm...zummmm...zummm...zumm... zum...z...
e foi se acomodando em seu ninho de poucas penugens... atraída pelo seu fedor... calor... humidade... ela veio... a menina flutuava... não sentia nada além do movimento da mosca em seu corpo... e explorando seu frágil corpo... ela pousou em seu clitóris... que de tão sensível parecia estar sendo tocado por um corpo significativo... ela obedeceu suas súplicas, solicitudes silenciosas para não assustá-la... e começou a lamber-lhe... era muito intenso... quase insuportavel... imaginava estar sendo penetrada por um grande membro (quente e macio) sentia até seu cheiro... que se confundia com o do esgoto que a pia exalava, por não ter sifão, tudo a levava a querer essa alcova.
Ela a serviu de toda a sua potência... andou e lambeu toda a sua carne arroxeada e lambuzada de saliva e meleca vaginal... era virgem... não tinha coragem de ir além do clitóris... só com o chuveirinho... enquanto sua amante passeava sobre seu clitóris ela permanecia como uma estátua, esperando e captando cada movimento... a sensibilidade era tanta que suas lambidas eram como línguas de gato... sentiu tudo o que podia física e imageticamente e... quando o seu corpo parecia estar entrando num processo de cãibra generalizada... urrou... num gozo trêmulo, aos socos, aos soluços... em segundos foi se desfazendo... se derretendo sobre aquele vaso encardido que doía em sua bunda magra, escorregando em seus suores, melados corpóreos, fluídos do ritual catártico...
desabafou todas as suas frustrações... o corpo e a consciência estavam entrando vagarosamente num processo contrário ao prazer... o corpo doía pelos excessos físicos... e a mente se torturava pelos excessos onírico ... como suportar ter desejado ser possuída por um demônio... como?
Culpou a mosca... invasora do seu esconderijo...
Culpou a irmã... 
Culpou a vida... desgraçada...
Tomou um banho com o sabão de cinza e enchugou-se na toalha de saco... cru... como seus horizontes...
Esfregou-se muito com a bucha de mato... queria que a dor do banho sobrepusesse a dor do ato... era sempre assim... sempre que gozava se sentia culpada, o alívio e a culpa se misturavam e a deixava pensativa... por isso tinha matado-a, como uma viuva negra, por isso tinha que eliminar as provas, os cúmplices...  por isso tinha que se purificar no banho... na missa de domingo... com os olhos baixos... sempre esquivando dos olhares alheios... temia sua transparência... sua satisfação escancarada...
Mesmo no dia que... (CONTINUA)

Ressaca moral (I)

Estou triste
Sempre chego sem saber o que dizer
Você me deixa assim
Mas hoje é pior
Sei que será só um mea culpa 
Tartaruga
TARTARUGA (GERSON WATANUKI)
Não precisa se esforçar para fugir...
EU não bebi, e mesmo que o tivesse feito... não preciso disso para dizer o que sinto ou o que invento que sinto... se sinto: sinto... caso contrário... não digo...
Sei que não passo de uma mulher balzaquiana insistindo no frescor das paixões juvenis...
Não passo de uma mulher chata teimando em continuar interessante.
Sei, e essa consciência do que sou... me garante que a poesia é um presente luxuoso que não posso dispensar... por isso ... melhor ser embriagado de poesia do que lúcido pelas garrafas e latas engolidas sem controle...
Vou plantar uma árvore hoje.
Pagar algumas contas.
Preparar minhas refeições sem muita cerimônia.
Para sobrar mais de mim para alimentar a poesia antropófoga.