sábado, 28 de janeiro de 2012

Relações por um fio XXXIII

Moça,

Nunca estive desnorteado assim. Que bomba de hidrogênio foi essa que caiu sobre a gente, que nos jogamos? Estou/estamos precisando pôr a cabeça no lugar e fazer isso aqui em casa está complicado. Vou passar uns dias, uma semana talvez na casa de um amigos. Depois de certos acontecimentos de ontem, vai ser bom uns dias longe.
Vou amanhã bem cedo, nem vou pra rodoviária, vou pra estrada com minha mochila. Há uns dez, doze anos eu pegava carona pra lá, acho que ainda consigo, não tenho pressa nem hora marcada pra chegar, mesmo.
Eu tenho uma reserva de uns três ou quatro amigos que sempre me socorrem nessas horas, e eu a eles. Vou me valer deles agora. Dessa maneira, os contatos vão escassear, mas também darei um jeito de mandar um ou outro recado.
Por enquanto, fique com mais esse:


SEM  BAILES
Cansaço.
Cansaço, minha fada.
Minha risada alada se estabacou:
Perdeu as penas ao sol da vida.
Foi-se ao monturo,
Ao bucho dos urubus, meu ouro.
Suicida, meu raro viço.
Meu pouco verde se cariou.
E é duro, minha fada
Ver inteiro, ileso, zombeteiro,
O muro que passei vida inteira a marretar.
Triste, na velhice, minha fada, constatar
Que muros para cair não foram arquitetados:
Biombos de opostos,
Para serem transpostos foram alocados.
Escalados, pulados por saltos de gafanhoto,
Pulos de ar rarefeito, de astronauta.
E por que, minha fada, só agora que a força me falta
Me apercebi disso? Por que agora?
Quando minhas pernas varicosas jogam damas na praça e choram?

Fadiga.
Fadiga pura, minha fada.
Meu rosto de falsa juventude, meu retrato de Dorian Gray,
Se mumificou.
Protuberou-se a barriga,
Em chumbo, transmutou-se a libido
De lança em riste, triste fez-se o pau em pendão caído.
Arrebentaram-se as amarras, os cabos de aço do tempo.
Ao esgoto, fazer piquenique com as bactérias,
Foi-se tudo, minha fada...
Foi-se tudo ao esgotamento.
E é pesado, minha fada,
Ver meu inexistente legado,
Minhas profundezas sem ruínas, sem vestígios de civilização.
É muito fado, minha fada,
Meu nada florescido,
Meu ipê amarelo sem nem a semente ter rompido.
Ver meu tudo enferrujado, meu tudo carcomido.

Cadê você, minha fada?
Sua promessa promissora ao meu nascimento?
Cadê seu condão, seu pó de pirlimpimpim,
Suas carruagens de abóboras?
Só tive as suas meias-noites em fuga,
Que sempre badalavam antes de seus bailes.
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saudades.
Moço.

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