sexta-feira, 5 de março de 2010

Casos da superfícies do caos

Sofia
Gerson Watanuki
Entrei em casa, como faço a tanto tempo... pela porta da sala.
Repeti os mesmos gestos de cumprimento, abertura de portas, guardar de bolsas no armário do quarto, colocar de chaves e controle do portão sobre a geladeira, distribuir tarefas: recolher as roupas do varal e dobrar, pegar os brinquedos espalhados pelos móveis e chão da casa, definir o cardápio do jantar (sopa requentada) sem muito compromisso... a rotina me assusta e ao mesmo tempo nos acomoda...
Não sou (estou) feliz. Será que existe outra forma de vida a dois?
Mas podemos ser estóicos quanto a infelicidade (conformismo ou indiferença), podemos questionar se poderemos viver sem esse mal que nos acomodou tanto tempo nessa rotina que acaba não sendo horrível, mesmo que assustadora as vezes ao microscópio ou binóculo, ou seja, é necessário encontrar uma distância favorável a uma boa visão do caso... podemos questionar também a nossa postura diante da vida, dos valores, das escolhas, dos destinos, da aceitação, da acomodação, das desculpas, culpas...
O que é uma vida inaltêntica? Existe vida autêntica?
Sair e voltar sempre no mesmo horário, pelo mesmo caminho, pelo mesmo motivo... o mesmo etinerário, a mesma comida, a mesma pessoa (ou o que sobrou dela, seus pedaços, máscaras), consumir o mesmo produto, se consumir... o barulho do despertador, picuinhas pelo lado preferido da cama, o garfo predileto, o copo de água no criado mudo, mudos, do acordar ao dormir, mudos... o que no mundo muda, qual o sentido da existência mundana sem mudança?
De repente, uma provocação, uma pergunta... uma frase ao vento...
- O que está fazendo?
E a resposta foi tranquila e rápida.
- Escrevendo.
Não satisfeito.
- O quê?
Pacientemente, pois pressentia uma discussão desnecessária.
- Escrevendo.
Armou-se de uma ironia leonina.
- Não tem vontade de fazer nada na casa: limpar, arrumar, passar um "paninho"?
A resposta foi imediata e justa.
- Não!
Mas o que queria era uma batalha épica e não esse comportamento lacônico.
- Não sei como você consegue...................
É sempre a mesma coisa. Toda vez que ele faz alguma coisa na casa começa a cobrança: essa casa não tem o "toque feminino"... você não se esforça pra tomar conta da casa...
Ele também não faz nada para cuidar melhor de mim... sempre se esquivando... eu também quero o seu toque masculino na minha vida, na minha cama...
Conversas... perguntas... meias respostas... fugas... fulgazes... casa arrumada... família arrumada... bonitos na foto.

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